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*Mariana Uyeda Ogawa

No dia 14 de maio a cidade de São Francisco, na Califórnia, de forma inédita, aprovou uma lei que proíbe o uso de programas de reconhecimento facial pela polícia e agências municipais, exceto nos aeroportos da cidade ou instalações sob regulamentação do governo federal dos Estados Unidos. Oito dos nove membros da Câmara de Supervisores Municipal são contrários a essa tecnologia.

Uma nova votação ocorrerá semana que vem, mas o placar não deve se alterar.

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Imagem: Saul Loeb/AFP

Por meio de algoritmos é realizado o reconhecimento facial. Com uma foto ou imagem em vídeo os algoritmos comparam o rosto humano com informações disponibilizadas pelo sistema — que arquiva informações reunidas na base de dados de imagens do governo. Essas imagens são captadas em áreas públicas. Numa fração de segundos o sistema de reconhecimento facial permite a varredura dos rostos das pessoas em circulação em vias públicas, mesmo sem o consentimento dos indivíduos.

O texto aprovado afirma que “a possibilidade de que a tecnologia de reconhecimento facial coloque em perigo os direitos e as liberdades civis supera substancialmente seus benefícios”. Com isso, de acordo com um dos parágrafos do documento “Será ilegal para qualquer departamento obter, conservar, acessar ou utilizar qualquer tecnologia de reconhecimento facial ou qualquer informação obtida com tecnologia de reconhecimento artificial. “

Além disso, de acordo com o texto aprovado, o reconhecimento facial poderia “exacerbar a injustiça racial e ameaçar nossa capacidade de viver sem a contínua vigilância do governo”.

São Francisco constitui-se num epicentro da tecnologia americana onde se encontram as sedes de grandes empresas, tais como, Apple, Intel, Facebook, Twitter, Uber e Google. A princípio parece contraditório esse ineditismo legal de São Francisco ao proibir o uso de programas de reconhecimento facial pelos órgãos públicos. A causa para essa iniciativa da cidade californiana está baseada no entendimento que os benefícios do reconhecimento facial são diminutos em relação às limitações de alguns direitos fundamentais dos cidadãos, dentre eles, o da liberdade e, principalmente, o da privacidade.

Erros de identificação podem aumentar a injustiça social. Alguém pode ser responsabilizado indevidamente. Um estudo do Instituto de Tecnologia de Massachussets (MIT) mostrou que o sistema de reconhecimento facial da Amazon - o Rekognition - tem dificuldade para reconhecer rosto de mulheres e pessoas não caucasianas. Por enquanto, as taxas de acerto ainda não são altas.

Por outro lado, os defensores do sistema de reconhecimento facial argumentam que o principal objetivo está relacionado com o aumento da segurança. Com esse software as autoridades contarão com mais um instrumento para auxiliar, por exemplo, na localização de crianças desaparecidas ou de criminosos.

No carnaval deste ano em Salvador câmeras ajudaram a identificar um criminoso que estava foragido desde 2018. Acabou sendo preso. A Secretaria de Segurança Pública da Bahia investiu mais de R$ 18 milhões nos softwares de reconhecimento facial.

Em abril, a Câmara dos Deputados promoveu audiência pública para debater o uso de tecnologias de reconhecimento facial para garantir a segurança pública no Brasil. Representantes do governo brasileiro defenderam o uso de câmeras de reconhecimento facial que facilitaria o rastreamento de fugitivos, desaparecidos e suspeitos de terrorismos, e uma legislação específica para regular o assunto.

2Ed Jones /AFP/Getty Images

A China possui o maior e o mais moderno sistema de monitoramento do mundo. São mais de 170 milhões de câmeras utilizadas em sistemas de segurança. Nas ruas, há postes com câmeras a cada 100 metros que registram o rosto dos cidadãos e auxiliam o governo a monitorá-los. Por meio da biometria – meio de identificação do indivíduo através das suas características físicas ou comportamentais – em diversas lojas não há mais a presença física de vendedores, somente a interação máquina e cliente. Câmeras do circuito interno registram seus movimentos e analisam sua linguagem corporal. Ao entrar numa loja o cliente mostra o seu celular e passa pela câmera de reconhecimento facial. Ao sair o consumidor passa por sensores que identificam os produtos que estão sendo levados e que faz novamente o seu reconhecimento facial. O valor das compras será debitado diretamente na sua conta bancária. Em outros estabelecimentos comerciais o cliente poderá pagar até mesmo com um sorriso para a câmera (“Smile to Pay”) – como acontece na loja Kentucky Fried Chicken (KFC), na cidade chinesa de Hangzhou. Tudo isso graças à tecnologia de reconhecimento facial.

O uso de tecnologias para o reconhecimento facial é uma realidade mundial.

O personagem fictício “Big Brother” do livro “1984” - romance distópico de George Orwell, publicado em 1949 - não está tão distante de nossa realidade: "Big Brother is watching you" (O Grande Irmão está te observando, trad. literal).

 

Referência
CURY, Maria Eduarda. São Francisco se posiciona contra uso de identificação facial pelo governo. EXAME. Tecnologia. São Paulo, 17 maio 2019. Disponível em: https://exame.abril.com.br/tecnologia/sao-francisco-se-posiciona-contra-uso-de-identificacao-facial-pelo-governo. Acesso em: 17 maio 2019.
BRASIL, Congresso Nacional. Câmara dos Deputados. Governo quer lei para regular vigilância estatal por meio de reconhecimento facial. Segurança. Brasília, 3 abr. 2019. Disponível em: https://www2.camara.leg.br/camaranoticias/noticias/SEGURANCA/574466-GOVERNO-QUER-LEI-PARA-REGULAR-VIGILANCIA-ESTATAL-POR-MEIO-DE-RECONHECIMENTO-FACIAL.html. Acesso em: 20 abr. 2019.
CORACCINI, Rafael. Pagamento por reconhecimento facial: a grande aposta na China. Novarejo. Tecnologia. São Paulo, fev. 2019. Disponível em: https://portalnovarejo.com.br/2019/01/pagamento-reconhecimento-facial-grade-aposta-china/. Acesso em: 22 maio 2019.
GOMES, Helton Simões Gomes, Por que uma das maiores cidades dos EUA baniu o reconhecimento facial ? UOL. Tecnologia. São Paulo, 16 maio 2019. Disponível em: https://noticias.uol.com.br/tecnologia/noticias/redacao/2019/05/16/por-que-uma-das-maiores-cidades-dos-eua-baniu-o-reconhecimento-facial.htm. Acesso em: 17 maio 2019.
SÃO FRANCISCO proíbe tecnologia de reconhecimento facial. O Estado de S. Paulo. São Paulo, 16 mai. 2019. Internacional. A14.
PRESSE, France, San Francisco proíbe a polícia de usar reconhecimento facial. G1. Pop & Arte. Rio de Janeiro, 17 maio 2019. Disponível em: https://g1.globo.com/pop-arte/noticia/2019/05/16/san-francisco-proibe-a-policia-de-usar-reconhecimento-facial.ghtml. Acesso em: 17 maio 2019.
GLOBO. A jornada da vida – Rio Yangtsé: série chega ao fim encontrando a China moderna. Fantástico. Exibido em 26 ago. 2018. Disponível em://noticias.uol.com.br/tecnologia/noticias/redacao/2019/05/16/por-que-uma-das-maiores-cidades-dos-eua-baniu-o-reconhecimento-facial.htm. Acesso em: 23 maio 2019.

 


*Mariana Uyeda Ogawa - Graduada em Direito (USP). Mestre em Direito das Relações Sociais (PUC/SP). Especialização em Direito Contratual (PUC/SP) e Aperfeiçoamento em Gestão Pública (University of La Verne, CA).


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