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Christianne de Carvalho Stroppa

Preleciona Washington de Barros Monteiro, que o comodato é o contrato unilateral, a título gratuito, pelo qual alguém entrega a outrem coisa (imóvel ou móvel) infungível, para ser usada temporariamente e depois restituída (CC, art. 579)1 .

Analisando os traços característicos dessa definição, Maria Helena Diniz2  destaca:

a)    Contratualidade, já que se trata de um ‘contrato’, por decorrer de um acordo de vontades, destarte:
    - unilateral, porquanto coloca uma só das partes na posição de devedor, ficando a outra na de credor, uma vez que só uma delas se obriga em face da outra.
    - gratuito, por onerar um dos contraentes, proporcionando ao outro uma vantagem.
    - real, já que somente se completa com a tradição do objeto, o que implica dizer que, com a entrega do bem emprestado ao comodatário, ele terá a posse direta, ficando o comodante com a indireta.
    - intuito personae, pois baseada na confiança depositada pelo comodante na pessoa do comodatário.
b)    Infungibilidade e não consumibilidade do bem dado em comodato.
c)    Temporariedade, porquanto o uso da coisa dada em comodato deve ser temporário, inobstante possa o prazo para a sua restituição ser determinado ou indeterminado.
d)    Obrigatoriedade de restituição da coisa emprestada após o uso, pois o comodante não perdeu o domínio, e continua sendo o seu proprietário.

Desta forma, mesmo que o comodato tenha um regime jurídico peculiar, porquanto classificado como contrato unilateral, não deixa de ser um contrato, estando, inclusive, inserido como espécie do gênero contrato de empréstimo.

De outro lado, não obstante o silêncio da legislação do Município de São Paulo sobre o assunto, cediço que a ata de registro de preços não é um contrato, sendo normalmente classificado como um documento vinculativo, obrigacional, com característica de compromisso para futura contratação3.

Nesse sentido a redação do art. 2º, parágrafo único, inciso II do Decreto federal nº 7.892/2013, define a ata de registro de preços como: “documento vinculativo, obrigacional, com característica de compromisso para futura contratação, em que se registram os preços, fornecedores, órgãos participantes e condições a serem praticadas, conforme as disposições contidas no instrumento convocatório e propostas apresentadas”.

Marçal Justen Filho4 reconhece no Sistema de Registro de Preços a existência de dois tipos diferentes de vínculos obrigacionais. De acordo com ele, o registro de preços engendraria um contrato normativo (formalizado na ata de registro de preços), a partir do qual poderiam surgir um ou mais contratos administrativos:

O registro de preços é um contrato normativo, expressão que indica uma relação jurídica de cunho preliminar e abrangente, que estabelece vínculo jurídico disciplinando o modo de aperfeiçoamento de futuras contratações entre as partes.
Por isso, as condições pactuadas no registro de preços são vinculantes para ambas as partes. Assim, a Administração não poderá exigir que o particular entregue produtos em qualidade, quantidade ou condições distintas daquelas estabelecidas. Deverão ser observadas as regras quanto ao preço e seu pagamento.

Em complementação, anotamos o posicionamento adotado por Joel de Menezes Niebuhr, na obra escrita em parceria com Edgar Guimarães. Para aquele, "a ata de registro de preços não se confunde com o contrato. Ela precede o contrato"5, apresentando, a rigor, "natureza jurídica de contrato preliminar ou pré-contrato unilateral"6.

Assim, define a ata de registro de preços da seguinte forma:

(...) a ata de registro de preços é documento que formaliza pré-contrato unilateral, por meio do qual o seu signatário assume o compromisso de firmar contratos com a Administração em relação ao objeto consignado na ata, de acordo com as condições e preços ofertados por ele durante a licitação, dentro do prazo de validade dela7.

Evidente, então que para Joel de Menezes Niebuhr, o fato de a ata de registro de preços possuir natureza de contrato preliminar ou pré-contrato tem como principal efeito a produção de obrigações "de modo unilateral, somente para o vencedor da licitação" (Grifamos). Na opinião dele, a qual é por nós acatada, "a Administração (...) não assume obrigação nenhuma por ocasião da assinatura da ata de registro de preços".15 (Grifamos.)

Ante o exposto, não se pode incluir as regras de comodato em uma ata de registro de preços, porquanto, a formalização da relação de empréstimo deve suceder a formalização da ata de registro de preços.

Inserir regras de comodato na ata de registro de preços implica na sua transformação em verdadeiro contrato, porquanto as obrigações do comodante se originariam diretamente da assinatura da ata e não da ordem de fornecimento.

Outrossim, cediço que, por se tratar de obrigação futura, aliás, como determinado no artigo 62, §4º da Lei nº 8.666/1993, se faz necessária a formalização de Termo de Comodato.


NOTAS

1. BARROS MONTEIRO, Washington de. Curso de direito civil. 17. ed. São Paulo: Saraiva, v. 5.
2. DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. Teoria das obrigações contratuais e extracontratuais. 25. ed., São Paulo: Saraiva, 2009, ps. 331-332.
3. JACOBY FERNANDES, Jorge Ulisses. Sistema de registro de preços e pregão presencial e eletrônico. 5. ed., Belo Horizonte: Fórum, 2013, p. 272.
4. JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à lei de licitações e contratos administrativos. 15. ed. São Paulo: Dialética, 2012. p. 218.
5. GUIMARÃES, Edgar; NIEBUHR, Joel de Menezes. Registro de preços: aspectos práticos e jurídicos. Belo Horizonte: Fórum, 2008. p. 83.
6. Ibid., loc. cit.
7. Ibid., loc. cit.


Christianne de Carvalho Stroppa é doutoranda e Mestre em Direito pela PUC/SP. Assessora de Gabinete I e Professora na Escola Superior de Gestão e Contas Públicas Conselheiro Eurípedes Sales.

Em 1º de julho de 2015.


Os artigos aqui publicados não refletem a opinião da Escola de Contas do TCMSP e são de inteira responsabilidade dos seus autores.


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