André Galindo da Costa
A Inglaterra é considerada o berço do orçamento público moderno. Isso porque foi na Magna Carta Inglesa que se conheceu, ainda no início do século XIII, a primeira tentativa de controle legal sobre a atividade financeira do Estado
No artigo 12 da Magna Carta ficou estabelecido que, exceto em algumas situações excepcionais também previstas, os tributos serão criados apenas pelo Conselho Comum e sempre os seus valores deverão ser razoáveis. A partir desse marco histórico a Inglaterra exerceu um papel importante para o desenvolvimento da concepção de orçamento público, porém essa caminhada nunca foi tranquila, já que se caracterizou por conflitos políticos e sociais dos mais diversos.
O próprio texto do artigo 12 da Carta Magna foi fruto de um intenso conflito. Diversos nobres ingleses partiram nas cruzadas rumo ao Oriente Médio no final do século XII e início do Século XIII. Em 1192, retornando de uma cruzada na Síria, o Rei Ricardo Coração de Leão foi feito prisioneiro pelo Rei Leopoldo da Áustria. O Rei Ricardo ficaria dois anos detido e depois de liberto veio a falecer em breve por causa do ferimento de uma flecha. Por não ter herdeiros diretos quem o sucedeu foi o seu Irmão Rei João, popularmente conhecido como João Sem Terra, por não ter herdado muitas terras. Os seus excessivos gastos militares para financiar guerras contra a França resultou em uma grande insatisfação da nobreza feudal inglesa. Os barões feudais que compunham o Conselho Comum inglês realizaram um conjunto de pressões até que o Rei João Sem Terra outorgasse a Magna Carta. Além de ser considerada a gênese para o desenvolvimento constitucional e dos direitos humanos, a Magna Carta inglesa também foi importante como limitadora da discricionariedade do Estado em criar ou aumentar tributos.
A partir de então o desenvolvimento do orçamento na Inglaterra não foi um mar de rosas e os conflitos de interesse só iriam se aprofundar. As raízes desses conflitos pareceram estar quase sempre associadas à vontade do Parlamento em exercer o controle e na coroa em agir de uma maneira mais autoritária. No século XVII as divergências entre ambos iriam se intensificar e tornar-se mais evidentes. O Rei Jaime havia se envolvido em inúmeros conflitos com o Parlamento e a tensão só aumentaria no governo do seu sucessor Carlos I, que assumiu o trono inglês em 1626. O Parlamento não teria ficado satisfeito com um empréstimo compulsório feito pelo Rei Carlos I e como forma de oposição elaborou uma declaração de liberdades civis que recebeu o nome de Petition of Right. Com esse ato o Parlamento reforçou o princípio de que os tributos só poderiam ser criados com a sua concordância. Os conflitos entre Carlos I e os parlamentares se intensificaram resultando em uma guerra civil em 1642 e consequentemente no julgamento e decapitação do Rei Carlos I em 1649.
Após a morte de Carlos I a monarquia foi abolida por um curto período de tempo, mas reestabelecida em 1660 com a coroação de Carlos II, filho do monarca decapitado. A paz duraria pouco tempo na Inglaterra e mais uma vez questões que envolvem as finanças públicas estariam no centro das divergências. Em 1688 os conflitos entre coroa e Parlamento se intensificariam novamente fazendo emergir o que ficou conhecido como a Revolução Gloriosa. Nesse contexto o Parlamento aprovou o Bill of Roghts, que é uma lista de direitos aos cidadãos. Entre as suas previsões estava à separação entre as finanças do Estado e a da coroa. Ambas as finanças a partir de então seriam organizadas e aprovadas todos os anos pelo Parlamento.
Em 1787 foi aprovada a Lei do Fundo Consolidado que previa que as despesas necessárias para arcar com os serviços permanentes e os impostos seriam aprovados pelo Parlamento inglês sem discussão ou questionamento. As discussões dar-se-iam somente quando houvesse excedente de receitas do fundo. O objetivo era que as discussões fossem no sentido de reduzir impostos desnecessários, porém na prática isso não ocorria já que os serviços estatais só aumentavam, aumentando assim também as suas necessidades de financiamento. Em 1802 passa-se a publicar o relatório detalhado das finanças inglesas e em 1822 inicia-se a prática do chanceler do Erário exibir ao Parlamento uma apresentação das receitas e despesas fixadas para o próximo ano.
Durante todo o século XIX o orçamento público inglês passou por diversas adequações tornando-se instrumento de planejamento e de instrumentalização da política financeira, sendo também usado como exemplo por diversos outros países. A concepção de orçamento, sobretudo no que diz respeito ao controle do Parlamento sobre as finanças públicas dando a elas o caráter de legitimidade, esteve muito ligada na Inglaterra a conflitos entre a coroa e o Parlamento. Isso mostra como que o desenvolvimento da concepção orçamentária, no caso inglês, reflete também uma busca por maior descentralização política das tomadas de decisão e controle das finanças públicas. Esse processo também está associado com a construção da concepção da democracia moderna. Hoje a Câmara dos Comuns do Reino Unido assume importantes responsabilidades em relação ao orçamento, dentre elas está a de discuti-lo, alterá-lo e aprová-lo.
A decapitação do Rei Carlos I foi um dos momentos mais marcantes e que levou ao desfecho da Guerra Civil Inglesa.
Referências
CARDOSO, Antonio Manoel Bandeira. A Magna Carta: conceituação e antecedentes. Revista de Informação Legislativa. Brasília, a. 23, n. 91, jul. – set. 1991.
COSTA, André Galindo. Conselhos de políticas públicas e associações de moradores: estudo de caso do orçamento participativo no município de São Carlos. 164 f. Dissertação (Mestrado) - Universidade de São Paulo, São Paulo, 2014.
COSTA, André Galindo; PERES, Ursula Dias. Instituições participativas no Brasil contemporâneo: ensaios sobre teorias explicativas. In: XIX Congreso Internacional del CLAD sobre la Reforma del Estado y de la Administración Pública, 2014, Quito. XIX Congreso Internacional del CLAD sobre la Reforma del Estado y de la Administración Pública, 2014.
GIACOMONI, James. Orçamento Público. 16. ed. São Paulo, Atlas, 2012.
GIAMBIAGI, Fabio; ALÉM, Ana Claudia. Finanças Públicas: Teoria e Prática no Brasil. 3. ed. Rio de Janeiro, Elsevier, 2008.
JUND, Sérgio. Direito Financeiro e Orçamento Público. 2. ed. Rio de Janeiro, Elsevier, 2008.
PALUDO, Augustinho Vicente. Orçamento Público, Administração Financeira e Orçamentária e LRF. 5. ed. São Paulo, Método, 2015.
PISCITELLI, Tathiane. Direito Financeiro Esquematizado. 5. ed. São Paulo, Método, 2015.