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Do gestor público, costumeiramente, o titular responsável pela autorização e, portanto, realização e ordem da despesa dos atos emanados por qualquer dos órgãos do ente federativo interessado.


Alessandra Mara Cornazzani Sales¹


Do servidor público que participou, de forma maculada, da realização do ato administrativo em qualquer fase do processo, proferindo ações que fossem capazes de facilitar a futura malversação de dinheiro público em prol de terceiros, ainda que com ou sem intenção de se beneficiar do resultado.

Do terceiro que sob qualquer forma legal de vinculação com o Poder Público, realiza obras ou serviços ou entrega bens à Administração Pública., pessoa física e, inclusive, jurídica.

Respondem, todos, sob a ordem penal, civil e administrativa.

Em verdade, nada novo. Antes mesmo da edição dos Códigos Civil e Penal vigentes2, em solo brasileiro, as responsabilidades civis e criminais por atos atentatórios à ordem pública sempre existiram.

Se de difícil aplicação, porque necessárias adaptações das ordens portuguesas às peculiaridades locais, o ressarcimento de danos causados à Fazenda Pública e as punições cruéis por atos contra a Corte Real já constavam nas Ordenações Afonsinas, que vigeram pelo período de 1446 a 15213, assim como nas Ordenações Manoelinas4 e, também, nas Ordenações Filipinas, aprovadas em 1595 e vigentes desde 16055.

Em ordenamento jurídico próprio, a Lei de 16 de dezembro de 1830, que estabelecia o Código Criminal do Império, havia dedicado capítulo próprio aos crimes contra a boa ordem e a administração pública6, bem como contra o tesouro e a propriedade pública7 ou, ainda, praticados por empregados públicos, reais8 ou fictícios9, tipificando as condutas praticadas como de natureza penal.

No período republicano, a primeira legislação que tratou dessa matéria foi o Decreto nº 847, de 11 de outubro de 1890, o então Código Penal dos “Estados Unidos do Brasil”, que vigeu até a edição do atual código.

O caminho até aqui perfilhado vai de encontro à forma de responsabilidade civil por dano causado em decorrência de ilícito que já e encontrava prescrito pelo Direito em Roma, na Lei das XII Tábuas, em meados do século V a.C. Trazia-se, por fundamento, a ideia grafada na Lei ou Pena de Talião, prescrita na máxima “olho por olho, dente por dente”10, que coroava, em apertada síntese, um sentimento de vingança, onde a pena por um crime devia ser idêntica ao dano provocado.

Referida leitura, de certo modo, permanece até os dias de hoje.

Os crimes contra a Administração Pública encontram-se plenamente assegurados no Código Penal11, aliás com tipificações reafirmadas na Lei de Licitações e Contratos Administrativos, sendo responsáveis todo aquele, agente público, ou não, que der causa à prática de ato contrário à lei.

A responsabilidade civil das relações privadas, resumidamente apresentada na expressão “aquele que, por ato ilícito, causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo”12, também é extensiva ao âmbito da Administração Pública.

Encontra-se reafirmada na obrigação de ressarcimento do erário público, prescrita no art. 37, §4º, da Constituição Federal, onde “os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível”.

Trata-se de responsabilidade civil, de natureza administrativa, que demanda aplicação sempre que o estrito dever da boa gestão pública vier a ser desrespeitado, por processos construídos com máculas capazes de privilegiar e, consequentemente, favorecer os interesses de terceiros, realizando obra, serviço ou proferindo entrega de bens com valores superfaturados ou contra a existência clara de interesse público.

A Lei Federal 8429/92, além de acrescentar a incidência de multa no rol das sanções aplicáveis ao responsável ímprobo, estabeleceu as hipóteses de condenação que são o enriquecimento ilícito, o prejuízo ao erário e o ato atentatório aos princípios da Administração Pública, lembrando que não apenas nesse curso processual incorrem todos aqueles que, mesmo não sendo agente público, induzam ou concorram para a prática do ato de improbidade ou dele se beneficiem sob qualquer forma direta ou indireta13.

Apenas para reforçar, as ações civis e criminais são autônomas e independentes, o que autoriza, então, a eventual aplicação simultânea dos institutos14, inclusive para apuração de eventual prática de ato de improbidade administrativa, como autorizado pela parte final do §4º do art. 37 mencionado.

E, mais. Chancelando a estrutura dada pelo ordenamento jurídico brasileiro de uniformização das linguagens em prol da preservação do munus publico, no rol das responsabilidades civis e administrativas das pessoas físicas, como acima exposto, a legislação, recentemente, permitiu que inseridas fossem as pessoas jurídicas, nacionais ou estrangeiras, partindo-se a averiguação e o julgamento dos fatos e dos eventuais danos em providência processual imediata e interna da própria Administração Pública lesada. Eis o teor da Lei Federal nº 12.846/2013.


[1] Assessora e Professora da Escola Superior de Contas e Gestão Pública Conselheiro Eurípedes Sales do Tribunal de Contas do Município de São Paulo, Especialista em Gestão Governamental pela FEA/USP, Pregoeira formada pelo TCU e Mestranda em Direito Político e Econômico pela Universidade Presbiteriana Mackenzie/SP.

[2] Lei 10.406, editada em 10 de janeiro de 2002 e vigente desde 11 de janeiro de 2003, instituiu o novo Código Civil em substituição ao texto do antigo Código, estabelecido pela Lei 3.071, de 01 de janeiro de 1.916. Decreto Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940, com vigência efetivada a partir de 1º de janeiro de 1.942.

[3] Especificamente pelos ouvidores (juízes) da Corte de Justiça, consoante Livro Terceiro, Título “Noventa e Hum” (sic), item 5, p.340; Livro Quinto, Título Cem (“dos que encobrem os malfeitores”), item 7, p. 359.

[4] Especificamente àqueles que cometem “da lesa Magestado, e dos que cometem traiçam contra o Rey, ou sej Real Estado, ou fazem outros crimes atraiçoadamente” (sic), são condenados à morte e possuíam seu bens confiscados pela Coroa do Reino (Livro Quinto, Título III, a partir do item 9, p.17), devidamente julgados pelos ouvidores do crime, por parte dos juízes, julgadores e corregedores da cidade que a ele pertencem (Livro Primeiro, Título XXXIII, p.221).

[5] Além “do crime de Lesa Magestade” (sic), tal qual previsto nas Ordenações Manuelinas, capítulo específico também tratou da responsabilidade e condenação de qualquer oficial ou pessoa que cause lesão à Fazenda (Livro Quinto, Título LXXIV, p.1221).

[6] Prevariações, abusos e omissões dos empregados públicos, com também destaque aos crimes de peita, suborno, concussão, excesso ou abuso de autoridade por influência proveniente do emprego, falta de exação no cumprimento dos deveres, irregularidade de conduta; Falsidade; e, Perjuíro (Título V, Capítulos I a III, arts. 129 ao 169).

[7] Peculato; moeda falsa; contrabando; e, destruição ou danificação de construções, monumentos e bens públicos; (Título VI , Capítulos I ao IV, arts. 170 ao 178).

[8] Art. 180, 187 e 275.

[9] Art. 256 e 273.

[10] Previsto no Terceiro Livro, o Levítico ((24, 19-20), dos cinco primeiros livros da Bíblia, o Pentateuco ou Torá, como é denominado pela doutrina judaica (Gênesis, Êxodo, Levítico, Números e Deuterômio), que reforçava o entendimento do Código de Hammurabi, escrito em meados do século XVIII a.C.

[11] Art. 5º, inciso I, alínea “d” c.c. arts. 312 a 337.

[12] Art. 927 do Código Civil (Lei 10406/02)

[13] Art. 3º da Lei 8429/92.

[14] Art. 935 do Código Civil (Lei 10406/02).


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