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Amândio Martins¹

A cidade de Paris, capital da França, faz parte de uma região metropolitana conhecida pelos franceses como Île-de-France. Os municípios da região, com uma população de 11.9 milhões de habitantes, estendem-se por uma área de 12.000 km², por onde são realizadas cerca de 41 milhões de viagens por dia, sendo 8,3 milhões por transporte público.  

A diversidade de modos de transporte público (metrô, trem regional, VLT e ônibus), bem como de níveis administrativos de governo (departamentos, estabelecimentos públicos de cooperação intermunicipal e municípios), é coordenada por uma Autoridade Metropolitana de Transportes Públicos, chamada: STIF – Syndicat des Transports d'Île-de-France.

O STIF tem competência sobre os modos de transporte público na região de Île-de-France, coordenando as ações de: planejamento da mobilidade; tipos de serviços; níveis de oferta; direcionamento dos investimentos para modernização e expansão das redes; contratação e fiscalização das empresas operadoras; instituição das tarifas e os objetivos em matéria de qualidade de serviço. Mais: o STIF estabelece as prescrições para a integração intermodal, organiza o processo participativo, escolhe a operadora, atua como financiador de muitos projetos e pode delegar a realização de alguns deles.


Não há, nessa região, sociedade operadora ou município com linha ou rede de transporte público, funcionando isoladamente. As operadoras, dos diversos modos de transporte, são coordenadas pelo STIF, mas mantêm seus patrimônios, ou seja: as linhas de Metrô pertencem à empresa RATP; as de Trens Regionais à SNCF; as de VLT às empresas RATP, SNCF e Transdev; os ônibus às RATP e Optile.

Os passageiros de um município ou de uma operadora são usuários da rede multimodal integrada sem distinção de nível administrativo de governo ou de empresa. Os cidadãos podem exercer o direito de uso à cidade e acessar com regularidade qualquer parte da região. Os modos de transporte se complementam de forma a suprir os vazios urbanos não atendidos pela rede estruturada de grande capacidade. Além disso, os passageiros, dessa rede abrangente, desfrutam de tarifas integradas e comunicação homogênea para se locomover pela região de maneira digna e segura.

Desde o início de suas atividades em 1959, a administração do STIF foi dirigida pelo Governo Central da França, que detinha a maioria dos representantes no Conselho de Administração, além da Presidência. Após 2005, houve um afastamento dos representantes do Governo Central e um Conselho Regional assumiu a maioria dos representantes, composta por 29 membros e um presidente. Essa forte governança regional foi reforçada pela introdução de dois novos membros: um representante dos agrupamentos intermunicipais da região Île-de-France (EPCI) e outro representante dos agentes econômicos, nomeado pela Câmara Regional do Comércio e da Indústria (CRCI). O STIF não é uma exceção no mundo. As aglomerações conurbadas, pelo mundo afora, dispõem, normalmente, de um consórcio ou de uma organização metropolitana coordenadora e integradora dos transportes públicos.

Analogamente à região de Île-de-France, a cidade de São Paulo - Brasil, também faz parte de uma aglomeração urbana, regulamentada como: Região Metropolitana de São Paulo. Os municípios da região, com uma população em torno de 20 milhões de habitantes, estendem-se por uma área de 8 mil km², por onde são realizadas cerca de 44 milhões de viagens por dia, sendo em torno de 16 milhões por transporte público. Essa região, de conformação parecida com outras aglomerações conurbadas pelo mundo, tem uma diversidade de modos de transporte (metrô, trem regional, monotrilho e ônibus), bem como de níveis administrativos de governo (estado, região metropolitana e municípios). Contudo, diferentemente de Paris e de outras grandes aglomerações, não é coordenada por uma autoridade integradora da mobilidade. Cada município é autônomo e tem suas linhas e redes de transporte, assim como o Estado, isoladamente, também, tem as suas. Tudo funcionando no mesmo território.

Em níveis distintos de governo, as administrações planejam, financiam, constroem, operam, avaliam o desempenho dos serviços e instituem tarifas nas suas respectivas linhas ou redes de transporte público, sem qualquer coordenação institucional. E o que é mais surpreendente, sem ouvir quaisquer representantes das comunidades regionais ou dos agentes econômicos, quais sejam: do comércio e da indústria. Inconcebível não haver, nem mesmo, a instituição de um Conselho Regional - previsto em lei - para opinar sobre a qualidade dos níveis de oferta dos serviços, valor das tarifas e equilíbrio financeiro sustentável do sistema.

Nem tudo está desconectado, algum progresso ocorreu na integração tarifária, pois se chegou a um ajuste entre município de São Paulo e Estado. Os bilhetes estão unificados nas redes dos dois níveis de governo. Contudo, há um detalhe que não estimula o uso: o valor do bilhete é penalizado em 50%, quando o passageiro se transfere do ônibus para metrô ou ferrovia e vice-versa, enquanto não há acréscimo de valor se o passageiro permanecer no transporte do mesmo nível de governo para itinerário de qualquer distância. Contribuindo para a incoerência do sistema, está em andamento uma licitação da rede de ônibus do município de São Paulo – a qual transporta mais passageiros por dia que a rede sobre trilhos - sem estudos de integração entre as redes metropolitanas, interface entre os níveis administrativos atuantes na região e tampouco qualquer participação da sociedade organizada.

A enorme rede, com vários modos de transporte, controlada isoladamente por vários níveis de governo não é ilegal, mas conviver com a quebra da coordenação da mobilidade é o mesmo que institucionalizar a Desautoridade Metropolitana de Transporte Público.


Ivan Metran Whately - Planejador de Transporte e Diretor do Departamento de Mobilidade e Logística do Instituto de Engenharia.

Engenheiro civil e arquiteto, especialista em planejamento de transporte, trabalhou em empresas privadas e públicas do setor, acumulando experiência em trânsito e transporte. Exerceu a função de: assessor do Presidente do Metrô-SP; assessor especial do Secretário Municipal de Transporte - SP; gerente de Projetos e Obras da EMTU; diretor de Projetos e Desenvolvimento Técnico e diretor Presidente da CPOS. Anteriormente, ocupou outros cargos: Superintendente do DAEE, presidente da Comissão Pró-Centro e diretor do Departamento de Transportes Públicos da PMSP. Além disso, foi consultor da OEA; diretor da Divisão de Projetos de Engenharia do Fundo de Construções da USP; dirigente da Assessoria Técnica da Secretaria dos Negócios Metropolitanos; assessor Técnico da Secretaria de Estado dos Transportes, diretor do Departamento de Projetos de Engenharia de Transportes da SEEBLA, Serviços de Engenharia e coordenador de Projetos da CET. Conselheiro do Instituto de Engenharia, sócio participante desta instituição há 36 anos, coordenador da Divisão Técnica de Transporte Metropolitano e atual diretor do Departamento de Logística e Mobilidade.


¹AMÂNDIO MARTINS é Graduado em engenharia Civil pela FAAP e pós-graduado em Administração pelo Centro Universitário do Instituto Mauá de Tecnologia. Leciona na Escola Superior de Gestão e Contas Públicas Conselheiro Eurípedes Sales.


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